Era de manhã, seus joelhos doíam - a dor da despedida -, aos poucos se levantou da cama e ficou imóvel, sentada. Uma lágrima, teimosa, deslizou de sua face áspera, rugas do tempo. A gota d'água era tão farta que ao afundar nos seus finos lábios pode umidecer sua boca toda! Que dor sentia! Seus pensamentos a deixavam zonza de cansaço; a partida sempre é difícil, julgava. Abrir mão do conforto da família,do aconchego dos netos/bisnetos, e carinho dos filhos, era difícil, É Díficil! Mas a decisão já foi tomada a muito tempo, muito antes deles existirem, da família se formar... - Amor antigo. Tal amor que arrebatou o jovem coração da senhora de 85 anos de idade. Todos eram contra. Foram contra desde o início; 60 anos atrás. Do contra a família se formou; nasceram filhos, netos, bisnetos... e o Amor? Se perdeu com o tempo... um redemoinho de pré-conceitos dilacerou tal união; somente agora, aos 85 anos de idade, viúva a mais de 15 anos ela reencontrava, na fila do mercadinho da esquina, com o sorriso do Amor. Um sorriso tão branco quanto a vontade de o sê-lo! E a vontade do destino os abraçou, num abraço tão especial que palavras não bastariam descrever, e se quer serem pronunciadas, a presença, sim, a presença daquele Olhar, dos olhares-castanhos, significavam tanto que brindou o silêncio. E naquele momento decidiram ser felizes, enfim! Apesar de tudo e de todos!
Ela enxugou o caminho das lágrimas in-face com as mãos envelhecidas e se levantou, e por mais que aquele instante tivesse um quê de tristeza, de 'fuga', ela sentia uma enorme felicidade sendo a cada segundo libertada. E era uma felicidade escondida e reprimida num porão dentro de seu coração; a poeira esvaía-se quando ela andava de encontro a porta, deixando uma cartinha sobre o bordado do lençol da cama - bordado de um pássaro com as asas estendidas. Encostou o portão da frente devagarinho, e alguém por trás apertou sua mão.Não a direita que estava no trinco do portão, mas a esquerda que ainda se via uma aliança de casamento.
O calor das mãos foi tão intenso que ela se assustou. Sim, se assustou com o próprio sentimento! Eles se abraçaram, ela chorou, ele acariciou os cabelos grisalhos dela, ela chorou baixinho.
E segurando a mala listrada dela com a mão direita, a esquerda se apoiava na bengala. Ela segurava o braço dele. Assim, saíram os dois por um caminho, buscando um caminho, onde idade, raça, ou situação não existam... onde eles possam andar de mãos dadas...
(Fran)cimeire Leme Coelho